quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Morador de rua: do medo à esperança

O dia a dia do sonho por um lar, da luta contra as drogas e até mesmo da garantia de vida nas ruas de Maceió

Acordar com o raiar do sol e planejar o dia. Esta é uma rotina que Januário da Silva não pode desfrutar. “Eu durmo assim que o movimento para e as lojas fecham. Tento vê se algum vendedor desses me dá algo que sobrou de comer e fique quieto em baixo de uma laje dessas. Tem que pegar cedo, a concorrência é grande, e tem uns vagabundos em maior número que quer tirar nóis a força (sic)”, disse Januário com simplicidade. A idade ele já não se lembra, nem tem documento para comprovar. Reside na Rua das Árvores, sem número. O ponto de referência é qualquer laje ou área coberta que possa lhe abrigar durante a noite.

Assim que acorda, a meta é “arrumar de comer”. Mendiga nas panificações próximas, onde vez ou outra os donos se sensibilizam e “descolam” um café com pão para Januário e seus amigos de calçada. E na grande maioria das vezes é apenas essa refeição que os sustentarão durante todo o dia. “As vezes a gente consegue mais algum agrado, né? Mas aí a gente tem que apelar pra cana, pelo menos mata a fome”, revela. Uma noite mal dormida e a certeza de um dia cheio de incertezas é o cotidiano de Januário da Silva e quase 1700 moradores de ruas de Maceió.

Grande parte deles está no Centro de Maceió, lutando dia após dia pelo alimento e um local quente para dormir. Segundo a maioria, os perigos e mazelas das ruas são confortados por um Deus, que ao menos para eles, não se faz ausente, pois como alguns próprios moradores falam, “só Deus mesmo para protegê-los e guardá-los”. Outro grupo escolheu a orla para viver, pela facilidade de receber esmolas e de conseguir alimento, em bares e restaurantes, no final do expediente.

Projeto Guardião

Outros moradores de rua têm um pouco mais de sorte do que Januário. Eles podem contar com a proteção do Projeto Guardião, que há cinco anos vem trabalhando em prol dos direitos, e melhores condições de vida para os moradores de rua. O projeto é uma das principais ações da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) para os mendigos. A prioridade é o bem estar e um pouco mais de dignidade para os excluídos.

Idealizado pelo assistente social Carlos Cesar, os 17 profissionais que fazem parte do projeto, entre eles psicólogos, assistentes sociais, educadores e coordenadores, realizam rondas em equipe visando mapear os principais focos de concentração de moradores de rua na grande Maceió. “O grande problema de Maceió em relação a moradores de rua, é que mais de 60% deles são das regiões metropolitanas de outros estados, ou seja, são andarilhos natos”, relatou Arnaldo Leite dos Santos, mais conhecido como ‘Capela’, que é coordenador do Projeto Guardião.

DROGAS - Mais de 90% dos moradores de rua são envolvidos com algum tipo de droga, seja substâncias entorpecentes ou álcool. “Às vezes nós tentamos identificar o porquê de eles vagarem tanto, mas geralmente alguns deles já nasceram na rua, e só sabem viver desse jeito perambulando pelo Brasil a fora. Se você perguntar, uns deles já conhecem todos os estados do país. Outras vezes essas pessoas já perderam o referencial de lar e o vínculo familiar, por causa das drogas”, completou.

Após a abordagem dos assistentes sociais, que muitas vezes encontram resistência dos desabrigados, os moradores de ruas passam por um processo de identificação e registro. “É feita uma triagem sobre a vida do usuário e nós conseguimos saber se ele já está incluso em qualquer um dos programas federais, como ‘Bolsa Família’, ‘Minha Casa, Minha Vida’, entre outros. Após esses levantamentos de dados, nós os encaminhamos a sua terra natal, ou caso o usuário seja daqui, nós tentamos inseri-lo no mercado de trabalho”, contou Capela.

De acordo com Capela, o Projeto Guardião possui uma verba destinada a aluguel de casas provisórias, para que os usuários em fase de recuperação possam ter onde ficar até conseguir se auto-sustentar. Ele explicou que um dos maiores problemas para um usuário, morador de rua, é o preconceito por parte da população. Muitas empresas, lojas, entre outros estabelecimentos acabam não contratando o usuário por medo de que ele vá roubar, ou fazer algum mal a seus funcionários. “Alguns conseguem subir na vida, ter um emprego estável, mas é preciso muita falta de vontade, e isso só é possível sem drogas por perto, para não ter o perigo de se cair em tentação”, revelou.

Mais que um lar

Parte dos moradores de ruas do Projeto Guardião também é encaminhada ao Albergue Municipal Professor Manoel Coelho Neto, localizado no Poço. Inaugurado em 2008, o Albergue Municipal recebe não só os usuários abordados pelos membros do Projeto Guardião, mas há dois anos serve como casa de passagem para centenas moradores de ruas, que formam enormes filas em frente à propriedade, a espera de uma vaga para pernoitar, assim que o local abre suas portas, às 17 horas.

“Diariamente chegamos a atender de 35 a 40 moradores de rua. Os que não possuem documentos, nós os aceitamos, mas no outro dia bem cedo ele tem que ir fazer um Boletim de Ocorrência. Nós temos que ter um controle em relação a quem passa por aqui”, contou Maria Geovânia de Almeida Graça, coordenadora e responsável pela administração do albergue público.

“Infelizmente, nem todo mundo consegue vaga. Mas aí encaminhamos para outros projetos e Organizações Não Governamentais. Algumas particulares aceitam uns usuários, mas não são todas”, revelou Maria Geovânia.
O albergue possui quatro quartos. Três alas masculinas e uma feminina. De acordo com a coordenadora, a maior procura por vaga no albergue é do sexo masculino. “A mulher tem um maior laço afetivo, tende a preferir ficar com a família”, disse. Após a saga pela conquista de uma vaga, os moradores de rua são assistidos por 16 funcionários.

Com direito a toalha, tomar banho com sabonete, horário de jantar, espaço de recreação com aparelho de televisão, o albergue possibilita ao morador de rua uma noite mais segura, quente e tranquila. “Tem muitos aí que querem fazer aqui como hotel. Mas a gente tem que devolver eles para a cidade deles e encaminhá-los para um lar fixo”, disse Maria Geovânia.

“Existem atividades educativas, exibição de vídeos, aula de desenho. Futuramente contaremos com uma equipe que ensinará a confecção de produtos com garrafas pet, mas eles chegam tão cansados que normalmente querem comer, tomar banho e dormir”, salientou a coordenadora.

SONHOS - Como toda regra, há exceções. É o caso de Alan, que aproveitava o momento de entretenimento para conversar com a psicóloga Marisa Lima Brandão. Há dois anos realizando atendimentos no albergue, Marisa afirma que muitos dos moradores de rua realizam planos, possuem expectativas de vida, querem casar e até constituir família.

“Nós realizamos uma entrevista onde fazemos o levantamento dos possíveis motivos daquela pessoa estar na rua. Grande parte dos problemas é vem das drogas. Aquelas pessoas que estão acostumadas na rua, acham isso aqui um céu, um paraíso. Mas para quem tinha toda uma vida, e veio parar aqui, o local é um inferno”, disse.

As noites dormidas nas ruas, que para os desabrigados parecem eternas e incansáveis, no conforto do albergue o tempo passa mais ligeiro. Às sete horas da manhã todos os usuários tomam café da manhã e precisam deixar a “fortaleza” que tem suas portas fechadas para mais um dia de manutenção. Em novembro o albergue passará a funcionar 24 horas por dia. Com direito a almoço e lanche. Com o funcionamento em tempo integral, mais moradores de rua terão chances de uma boa dormida, alimentação e a mínima sensação de segurança.

Insegurança toma conta das ruas em 2010

A Polícia Militar de Alagoas registrou neste ano, mais de 20 homicídios de moradores de rua. Geralmente mortos a pauladas, pedradas ou até queimados, a Polícia Civil do Estado chegou a especular de que os desabrigados estivessem sendo alvo de um grupo de extermínio. Quase todas as mortes foram cometidas por arma de fogo, mas em alguns casos os crimes as armas brancas aparecem e prejudicam as investigações. Já que as mortes passam a ser associadas ao acerto de contas, na maioria das vezes, por drogas, mas também mulheres e alimentos.

Para saber o que está acontecendo foi criada uma comissão comandada pela delegada Rebecca Cordeiro. Em paralelo, o Ministério Público Estadual também entrou na investigação. O Grupo Estadual de Combate ao Crime Organizado (Gecoc) passou a mapear os crimes e ainda não apresentou uma solução, ou mesmo a presença de justiceiros. O que é fato é que mesmo com tantos interessados, as investigações continuam acontecendo lentamente deixando a vida dos moradores de rua cada vez mais vulneráveis.


Por Natália Souza